sábado, 17 de janeiro de 2009

Questão de classe

Nestes dias de pompa e circunstância em Washington, DC, e apesar da guerra em Gaza e da crise económica cada dia mais profunda, apetece-me falar de uma coisa de menor importância: a classe. Não me refiro às classes sociais ou económicas, mas é também, afinal, delas que falo.
Barack e Michelle Obama, como nenhum Presidente e Primeira Dama desde os Kennedy, ressumam classe. É a maneira de se vestirem – com roupas de design misturadas com calças e camisas compradas nas lojas Gap, sempre bem escolhidas. É na sua linguagem gestual e na perfeita calma com que os seus corpos estão no tempo e no espaço. É na maneira de falarem – confiantes sem ser soberbos, com franqueza mas sem deixar cair o nível, com cumplicidade entre os dois mas mantendo independência do espírito, e tanto ele como ela com um bom sentido de humor (esta última qualidade, na verdade, tende a faltar nos democratas mais do que nos republicanos).
Durante a campanha Obama foi acusado de ser elitista, por usar um blackberry e por gostar de rúcula na salada. E alguns negros puseram em causa a sua negritude, por a mãe ser branca mas também por ele ser tão bem sucedido no mundo dos brancos – na sua carreira brilhante na Harvard Law School, por exemplo. Acontece que o mundo dos brancos e o mundo dos negros já estão a confundir-se e Obama é o símbolo e resultado disso. O seu estilo, a sua classe, têm muito da cultura e da maneira de ser negra – uma maneira de ser que está a contaminar a cultura branca. Não estou a pensar na música mas sim na moda, na estética, no look e na fala das pessoas.
A cultura do Barack e da Michelle não vêm de cima mas de baixo – um «baixo» que se educou e se esforçou. O sonho americano, sim. Com a diferença de que os sonhadores já não são meros imitadores; estão a dar o tom ao tipo de sonho que vale a pena sonhar. A rúcula, é certo, não veio da cultura afro-americana, mas também não surgiu dos barbecues da América tradicional e «verdadeira», tal como foi idealizada por Bush e McCain e Palin. Está a operar-se, nos Estados Unidos, uma curiosa aliança entre o cosmopolitanismo «elevado» e os imigrantes e marginalizados da sociedade.
Se Obama é já a evidência de uma mudança radical nas relações raciais naquele país, será uma força para outras transformações sociais, que vão acontecendo num ritmo mais acelerado. O sonho alargou-se. Hip-hop vai continuar a ser cool, para negros e para brancos. Ao mesmo tempo, os Obama estão a ensinar-nos a todos – qualquer que seja a nossa cor – outras formas de ser cool.
Pena é que o fiasco económico seja capaz de estragar a festa, pois tudo indica que a coisa ainda vai piorar. Será uma oportunidade para rever os nossos valores e alterar o sistema financeiro las-vegasiano que nos governa? Não sou tão optimista. O Barack tem a capacidade de inspirar, uma qualidade mais necessária do que nunca, mas inspirar para fazer o quê? Não é claro. Nada é claro. De qualquer modo, ele e a Michelle têm toneladas de classe, e o mundo, embora materialmente mais empobrecido, ficará certamente mais gracioso.

Richard Zenith

Sem comentários: