domingo, 18 de janeiro de 2009

Inveja ou talvez não...

A dois escassos dias do dia 20, poder-vos-ia falar do milagre do Rio Hudson, ou da fantástica manobra da equipa de pilotagem, ou do apoio quase instantâneo das forças junto às margens do rio, ou de quão ordeiro foi o comportamento dos passageiros, ou de como em apenas duas horas todos os políticos da região se reuniram em frente às televisões, ou de que ninguém morreu, ou sequer ferido, ou de como tudo correu bem, ou onde estava eu, tu ou ele, etc, etc...

Mas o que verdadeiramente me impressiona, e que é como que uma instituição nesta cultura, é a rapidez com que se fazem heróis, a facilidade com que se promove “o outro”, a generosidade com que muitas vezes relativamente "pequenos" actos são transformados em causas fantásticas. Não ouvi um único comentário do tipo: "foi sorte" (claro que foram felizes mas os comentários não se centram nesse aspecto), ou "não havia vento", ou "seria fácil porque o rio é largo", ou "era um avião relativamente pequeno", ou "isto ou aquilo", o que seja que pudesse minimizar a actuação do piloto e tripulação. Antes pelo contrario, os comentários vão todos no sentido de adicionar mais-e-mais dificuldades à operação: o peso do avião (80 toneladas), motores parados, água a zero graus centigrados, o ar a -6 graus centigrados, entre muitos outros.

Claro que é um acontecimento espantoso em que as boas vontades se juntam todas. Mas o que é também verdade é que amplia um elemento determinante desta e nesta cultura: o apoio quase-incondicional à iniciativa/ideia/acto/génio/talento/acção do indivíduo. E esse apoio/encorajamento, que tambem pode ter o seu lado lunar (ex. excesso de concessão de crédito), é tão evidente que por vezes, confesso, soa mesmo a falso... mas não é!

Há 3 anos chegava aos States vindo de uma cultura em que quase se tem de pedir desculpa por se ser o que quer que seja para o qual se tenha algum talento. E tem sido um processo pessoal muito desafiante libertar o meu discurso de permanentes interjeições do género "o mérito não e meu", "foi graças a outros", "a vida é muito generosa", etc., etc. “That's bullshit” neste lado do Oceano... "foste tu!", e "foi graças a ti", e "estas de parabéns", e "ele é herói", e "foste excepcional", e "tenho três pessoas que deverias conhecer", etc, etc...

Confesso que por vezes, mesmo que absolutamente sincero, são mesmo desproporcionados alguns comentários (não me refiro necessariamente em relação a mim mas em geral no discurso das pessoas) sobre acontecimentos da vida. Enfim, qualquer pretexto se torna muito facilmente num pretexto para uma sobrevalorização incrível da pessoa individual.

Não quero parecer um “apanhadinho” por este lado do Atlântico. Existem na sociedade Americana aspectos de "cortar a faca"... Por exemplo, a forma básica, irresponsável, sem sentido algum com que os americanos gerem as suas finanças familiares faz de cada Português médio com mais de 10 anos de idade uma autêntica sumidade em matéria financeira. A ignorância em matéria de geografia e história universal, o pouco que viajam além fronteiras (em parte justificado pela extensão do seu território e oportunidades internas), a inapetência para línguas estrangeiras. Mas não é disto que convosco vim partilhar hoje.

Enfim, mesmo que um acto/comportamento não seja absolutamente perfeito (quando o é?), ele é sempre revelador de um processo pessoal. O que se apoia incondicionalmente não é tanto o acto em si, tantas vezes efémero, mas sim o processo no qual a pessoa humana concreta se encontra lançada.

Não economizemos palavras de apoio nas nossas famílias, empregos, círculos de amigos, no bairro, em conversa de elevador, em trocas de emails, etc... Sabemos que factores como felicidade, circunstancia concreta do dia e da hora, contactos pessoais, etc., desempenham sempre papeis importantes, mas não deixemos que tais elementos se sobreponham ao génio e talento da pessoa individual concreta...

André Corrêa d’Almeida
Social Scientist e Músico

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